Caldeirão em ebulição: estrada de gado, em 1950, hoje o Montese ferve durante o dia, com agências bancárias e diversos serviços, atraindo gente de todas as áreas da cidade
RODRIGO CARVALHO
O Diário do Nordeste inicia, hoje, série de reportagens sobre os bairros de Fortaleza. Sempre às quartas-feiras
O sociólogo Gilberto Freire costumava dizer que "Recife não cresce, apenas incha". A mesma frase pode ser aplicada para um dos mais importantes bairros da zona Sul de Fortaleza: o Montese. Até meados de 1950, era a localidade de uma rua, estrada para o gado a caminho do Otávio Bonfim. Hoje, aos 63 anos de existência, é um verdadeiro caldeirão em ebulição. Ares de cidade grande, metrópole em apenas 190 hectares de área.
O Montese ferve durante o dia, com seu comércio forte, variado, agências bancárias e diversos serviços. Atrai gente de todo o lugar, principalmente de seu entorno, como Itaoca, Vila União, Parreão, Damas, Couto Fernandes e Demócrito Rocha. A população triplica, assim como os problemas: o trânsito caótico, uso irregular das calçadas, insegurança, poluição, ausência de áreas verdes, de polos de lazer (uma das queixas da população) e alternativas de esporte e lazer para os jovens. Muitos dependentes químicos.
A Divisão de Engenharia da Autarquia Municipal de Trânsito, Cidadania e de Serviços Públicos (AMC)bem que tentou minimizar os constantes congestionamentos nas principais avenidas do Montese, como a Professor Gomes de Matos e a Alberto Magno. A Autarquia implantou cinco semáforos e alterou o sentido de tráfego em ruas e avenidas. Quatro dos semáforos foram instalados na Rua Barão de Sobral: nos cruzamentos com as avenidas Alberto Magno e Gomes de Matos e com as ruas Antônio Fiúza e Equador.
Avenida Alberto Magno - entre as ruas César Rossas e 15 de Novembro - passou a ter sentido único Norte/Sul (praia/sertão). A Rua Barão de Sobral, no trecho entre a Rua Equador e a Rua César Rosas (Leste/oeste)também é sentido único. Já a Rua Professor Teodorico, entre as ruas Equador e César Rosas passou a ter circulação em duplo sentido (leste/oeste). Tudo para desafogar o trânsito na área. "Falta muito para isso", reclamam os taxistas Raimundo Pereira e Alex Silva. Os dois com mais de 20 anos de praça e uma vida inteira no Montese.
É um dos mais povoados de Fortaleza, com uma população estimada em 70 mil habitantes, embora o Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) só registre 26 mil pessoas. "Não há mais espaço", afirma Raimundo Nonato Ximenes, considerado o fundador do bairro. Em seu livro "De Pirocaia a Montese", ele alerta que a especulação imobiliária toma conta de tudo e acaba com o lazer da comunidade. Ximenes afirma que o local começa a ser verticalizar e as "pessoas a se trancarem em condomínios. Vivemos entre o aeroporto e os espigões. Resultado de nossa época", lamenta.
Nem tudo no bairro são lamentações. "Quem mora aqui, costuma bater no peito de orgulho porque aqui temos muitas coisa que faltam em outros bairros", salienta a dona de casa, Marília Nascimento.
A educação, exemplifica ela, é um dos pontos altos. São 39 estabelecimentos educacionais. Algumas, como a Escola Filgueiras Lima e a Paulo VI são tradicionalíssimas. "Acho que para ficar perfeito nessa área, faltam cursos de capacitação para jovens", defende ela.
Ao contrário de outros bairros que sequer tem paróquia, o Montese possui duas. A de Nossa Senhora de Nazaré e a de Nossa Senhora da Aparecida, padroeira do Brasil.
HISTÓRIA
Bairro amigo de cidade italiana do mesmo nome
NOBRE Fundador: Raimundo Ximenes e a esposa, Libênia, residem em uma casa com quintal na Av. Gomes de Matos
Após o término da Segunda Guerra Mundial alguns bairros de Fortaleza receberam nomes que homenageavam as vitórias da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália. Foi o caso do Montese, que recebeu essa denominação numa alusão aos pracinhas brasileiros que venceram a batalha travada no final da II Guerra Mundial, nos dias 14 e 15 de abril de 1945, na cidade de Montese, em território italiano. Anteriormente o bairro era chamado de Pirocaia.
Os soldados brasileiros venceram um exército alemão, libertando o povo italiano, conta o ex-pracinha e primeiro morador do Montese, Raimundo Ximenes. "Por isso, de nossa ligação e amizade até hoje", diz.
Ximenes fundou o bairro e resiste às ofertas de empresários para vender sua casa, com um quintal imenso, em plena Avenida Gomes de Matos. É um verdadeiro sítio, com mangas, cajás, caju, coco, carambola e, por incrível que pareça, muita paz. "Aqui eu recomecei a vida, depois da guerra, constitui família e só sairei para o cemitério", afirma enquanto pede para que a esposa, Libênia, fique perto dele para tirar fotos. "Estou desarrumada", desconversa ela. "Que nada, você é linda por natureza", elogia Ximenes.
Com 89 anos de idade, ele ainda dirige seu carro e reclama de motoristas "apressados e sem educação" na hora que precisa retirar o veículo da garagem. "É uma loucura. Eles não dão vez. É preciso paciência e muito bom humor para conseguir sair de casa".
SAIBA MAIS
POPULAÇÃO
Conta com 190 hectares de área. De acordo com o Censo 2000 do IBGE, sua população é de 26 mil habitantes. O bairro faz divisa com Itaoca, Vila União, Damas, Bom Futuro, Couto Fernandes e Demócrito Rocha
Referência
Seus principais pontos de referência são a Igrejinha de Aparecida, o Imparh (centro de línguas) e o comércio das avenidas Gomes de Matos e Alberto Magno
RENDIMENTO
Segundo o IBGE, o rendimento médio da população ocupada é de R$ 465,00. Sendo que a maioria, 52,97%, recebe entre R$ 465,00 e R$ 600,00. Menos de 3% ganham mais de R$ 3 mil
EDUCAÇÃO
49,7% de seus moradores possuem Ensino Fundamental, 37,80% têm Ensino Médio e apenas 6,22% concluíram o Ensino Superior
Diferenças
Bom
Segundo seus moradores, o Montese tem de melhor o seu comércio forte e variado. É a marca registrada do bairro. As lojas de aluguel de roupas para festas, principalmente casamentos, são referências para toda a cidade. De acordo com os comerciantes da Rua Alberto Magno, uma das principais, por exemplo, as noivas procuram o bairro Montese durante todo o ano
Mal
O trânsito é problema quase sem solução. Além dele, quem mora no bairro ou necessita ir até lá enfrenta calçadas tomadas por ambulantes. De acordo com a população, "um verdadeiro retrato" da ocupação desordenada do espaço público. Outro ponto criticado é a falta lugares específicos para lazer e descanso, como pracinhas. A insegurança também é ponto ruim.